Já que falamos bastante de bruxaria por aqui, vamos falar de um estilo musical que combina bastante com esse tema: o witch house. É um tema um tanto controverso, pois muitos produtores musicais não consideram o witch house um estilo musical. Então vamos entender um pouco dessa discórdia entre produtores e a mídia.
Nos meados de 2009 alguns artistas começavam a fazer um som que misturava música eletrônica com elementos mais sombrios com influência do Drone, Gótico, Darkwave, Noise e Shoegaze em meio a algumas batidas de Hip Hop e House. E tudo isso precisava de um nome que definisse essa sonoridade nova. O termo “witch house” foi criado pelo DJ nova-iorquino Travis Egedy (conhecido como Pictureplane) em 2009, que costumava usar o sarcasmo para descrever a música que ele fazia para seu círculo de amigos.
“Eu e meu amigo Shams inventamos este termo para designar a house music obscura com uma temática dark. Saca, música de casas mal assombradas”
Travis Egedy em uma entrevista para a revista Vice em 2015.
O termo se tornou viral em 2012 aparecendo em blogs de música, no Last.fm e, eventualmente, no New York Times, após Egedy conceder uma entrevista ao site Pitchfork sobre o seu álbum Dark Rift. Esse álbum falava sobre o significado astrológico de 2012 (e todo aquele boom esquisotérico da época).
Deixando de lado a validade ou não da nomenclatura, sem dúvida toda uma cena musical soturna estava surgindo em 2009, com influência de ocultismo, bruxaria e até xamanismo. Um dos nomes em destaque na época foi o projeto solo da artista sueca Karin Dreijer Andersson (do The Knife), conhecido como Fever Ray. O primeiro disco, homônimo, deu toda a estética e influência que o gênero adotou na época: simbolismo místico, vocal arrastado e batida desacelerada. A música mais conhecida do Fever Ray sem dúvida é If I Had A Heart, trilha sonora de abertura da série Vikings (que também se passa na Suécia).
Apesar do witch house permanecer no underground até hoje, alguns outros artistas se destacaram dentro do estilo. A principal banda da época, sem dúvida, foi o trio Salem. Também se destacam as bandas oOoOO (lê-se “oh”), Ritualz, White Ring e Crystal Castles. A sonoridade do Salem consolidou o que seria a estética sonora oficial de todo o witch house. A música mais conhecida do Salem, com certeza, é King Night, trilha sonora do ótimo filme Love, de Gaspar Noé. Confira abaixo alguns dos artistas citados, para entender um pouco mais.
O simbolismo é amplamente utilizado no witch house. Os elementos atípicos fazem parte da composição artística do estilo, seja em samples dissonantes nas músicas, elementos visuais em clipes e capas de discos, quanto na adoção de diferente tipografia, oriundo muitas vezes de outros alfabetos, como o sânscrito, no nome das bandas, como por exemplo: †‡† (Ritualz), ▲(Black Triangle), GR†LLGR†LL (grill grill) e o †☉ℳᴯℨ. Nomes estes que acabam sendo muitas vezes impronunciáveis, salvo algumas exceções como as listadas.
Apesar de toda essa imagem cabalística, ocultismo, satânica, herege, ou seja lá como muitos rotulam, o witch house não passa na verdade de uma expressão artística. Como dito pelo próprio Egedy, o “estilo” surgiu sem nenhuma base cultural ou de seita, sendo apenas uma representação musical utilizando referências já conhecidas, principalmente o Industrial e da Darkwave. Desse modo, temos um estilo que não era pra ser estilo e um lado artístico não muito compreendido ou aceito. Mas o que fica é um música que foge do padrão, rompe conceitos e traz um toque, digamos, diferente ao cenário musical.
Esse gênero musical acabou encontrando na Rússia um lar acolhedor, devido ao sarcasmo e o lado soturno dos jovens russos. A maior festa de witch house no mundo chama-se VV17CHOU7, que é basicamente “witch house” soletrado de um jeito todo errado e com números no meio. A festa acontece algumas vezes ao ano, em Moscow, difundindo novos artistas pelo mundo afora.
Uma artista russa que se destaca bastante é a Zola Jesus. Seu timbre de voz lembra muito o de outra cantora bem conhecida na cena gótica: Siouxsie Sioux (do Siouxsie and the Banshees).
Mais recentemente, muitas bandas com vocalistas femininas dentro do witch house e da música mais obscura têm surgido, nos fazendo lembrar que a noite e a bruxaria tem uma relação forte com o feminino e com a imagem arquetípica tradicional da bruxa. Uma outra artista que representa muito bem esse arquétipo é a Chelsea Wolfe.
Mesmo que o termo witch house eventualmente saia de moda, aposto que a música repleta de synths, gótica e depressiva vai continuar rolando na Rússia assim como rolou nos Estados Unidos por décadas, evoluindo e mudando com o tempo, enquanto se atualizava e se adaptava às gravadoras. Egedy concorda que, de certa forma, é tudo a mesma coisa. Os ciclos hype podem mudar, mas a sedução da dark music é para sempre.
Discografia básica:
Fever Ray – Fever Ray
Zola Jesus – Stridulum EP
Salem – King Night
White Ring – Black Earth That Made Me
Picturplane – Dark Rift
GR†LLGR†LL – *GR†LLGR†LL
Mater Suspiria Vision – Second Coming
oOoOO – oOoOO EP
Balam Acab – Wander/Wonder
†‡† – †‡†